
Poesias Numeradas
Por Emilia Mello
I
minha vida que é modesta
está escrito nessa testa
sem a dor que me molesta
sou da flora, sou floresta
mas tem hora que pergunto
o que me passa na cachola
cada coisa que eu ajunto,
que entra nessa portinhola
entra medo, entra enredo,
entra o raro e o mais banal,
entra a rua e o arvoredo
e pergunta sem igual
entra muito e sai algum
texto livre e artesanal
pensamentos, um por um,
vão girando em bacanal
eu me vejo num folguedo
livre, solto e amoral
solto o riso, perco o medo
fico além do bem, do mal
quando acaba essa viagem
dentro do meu pantanal,
saio sábia da paisagem
comovida e emocional
vai-se o enredo e o arvoredo
faz-se pausa na cachola
vai-se a festa e o folguedo
boa noite portinhola
II
trabalho com meu pé
com meu corpo e a cabeça
fica o tempo todo acesa
fica toda serelepe
querendo filosofar
querendo filosofar
entrementes a tramela
abre a janela do tempo
e me põe de sentinela
para o mundo observar
para o mundo observar
lá no cerne o seu reverso
toda cena e conversa
observo sem ter pressa
nem ter nada a declarar
sem ter nada a declarar?
que mentira mais danada
minha boca não é colada
minha mente é apressada
quero sim palavrear

III
por causa dessas coisas
no meu colo
fiquei com torcicolo
por causa dessas coisas
no meu peito
fiquei com defeito
mas eu faço de conta
na ponta do lápis
que sou uma onda
gigante e redonda
com flores no ápice
IV
terremotos noturnos
impulsos desses terrestres silencios viáveis
tu me verás nunca como sou
detalhes são retalhos d’alma
sou calma
mas eus
brigam de foice
V
o processo é um viaduto
que se acessa num minuto
dura sempre um infinito
deixa a gente assim aflita
pois nem sempre é bonito
ou se tornará produto

“se eu fôsse banana
seria a nanica
se eu fôsse laranja
seria a lima
se leguminosa
seria a ervilha
mas sendo gente
sou uma emilia”
foto: Ras Adauto
Emilia Mello nasceu em Recife, cresceu em São Paulo e desde 1987 vive em Berlim. É mãe de quatro e avó de seis. Ex-atriz mas ainda um pouco clown trabalha desde 1995 como pedagoga circense e teatral em circos infanto-juvenis e escolas berlinenses. Além disso é ritmista e letrista da banda Rainhas do Norte e vez por outra lê seus poemas em saraus.
FOTOS
Por Henrique Clesca







Jovem, fotógrafo, dotado de um amor profundo por seus camaradas. Henrique Clesca descobriu a maneira mais simples de demonstrar sua expressividade ao capturar instantes com uma câmera digital e neles imprimir seus sentimentos. Sua nítida inclinação ao retrato urbano manifesta-se nos registros — tanto visuais como textuais — da Cidade de São Paulo e de seus cotidianos cenários/personagens. Fotografa seus amigos com uma espontaneidade que fere o rigoroso procedimento da fotografia profissional, mas que preenche suas fotografias com uma paixão que só quem tem amigos assim sabe.
Henrique Clesca tem 17 anos, começou a fotografar no início de 2020 e atualmente vive na Grande São Paulo.